O QUE ROLOU (OU NÃO) NA MAIOR FESTA DO CINEMA.
“OPPENHEIMER” CONFIRMOU SEU FAVORITISMO NO OSCAR
Que noite, gente! A 96ª edição do Oscar se dividiu entre confirmações de favoritismos, algumas surpresas e certas piadas infames, além de discursos engajados e emocionantes sobre as guerras no Oriente Médio e na Ucrânia.
HUMOR DISCUTÍVEL
Começando pela apresentação do humorista Jimmy Kimmel. Ele é talentoso e inteligente, mas pegou pesado ao especular sobre um possível formato retangular do pênis de Robert Downey Jr., perguntando ao ator se o volume do bolso seria o seu discurso de agradecimento. Também não foi legal quando Kimmel insinuou algo de incestuoso na frequência com que Bradley Cooper leva a mãe como date para todas as cerimônias de premiação.
O que dizer de John Cena largado e pelado no palco para destacar a importância do figurino nos filmes? Engraçado ou constrangedor? Essa eu deixo para você julgar. Interessante foi a referência que justificou a piada: a lembrança da cerimônia de 1974, quando o elegante David Niven foi surpreendido por um ativista atravessando o palco nu, atrás dele, fazendo o sinal de paz e amor em protesto contra a Guerra do Vietnã.
A CONCLUSÃO DA SAGA “BARBENHEIMER”
Os caminhos dessas duas grandes produções se afastaram na temporada de premiações, e o Oscar foi a coroação desse divórcio. O longa sobre o pai da bomba atômica, recordista em indicações, venceu em sete categorias: Melhor Filme, Direção, Ator (Cillian Murphy), Ator Coadjuvante (Robert Downey Jr.), Montagem, Direção de Fotografia e Trilha Original. Todos os prêmios, diga-se de passagem, merecidíssimos.
Detalhe: as pessoas costumam associar Downey Jr. apenas a Tony Stark, mas é preciso lembrar que ele é o mesmo sujeito que encarnou Charles Chaplin sob a direção de Sir Richard Attenborough, e bem que poderia ter recebido uma estatueta no Oscar de 1993.
VALE O ESCRITO
O prodigioso “Anatomia de uma Queda” ficou, com muita justiça, com o prêmio de Melhor Roteiro Original. Essa mistura de suspense com drama de tribunal escrita pela diretora Justine Triet e seu marido, Arthur Harari, merecia também um Oscar para sua atriz Sandra Hüller, estupenda, e um troféu especial para a performance de pet mais espetacular já vista no cinema. Felizmente, Messi, o cachorro que fez absurdos no filme, esteve na cerimônia. Messi, você é tudo!
Já o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado foi para “Ficção Americana”, escrito por Cord Jefferson. Isso não deixou de ser um aceno ao cinema independente, o que tem que ser celebrado. Mas tem um porém…
NÃO É BRINQUEDO, NÃO
“Barbie” é que realmente deveria ter levado a estatueta nessa categoria de Roteiro Adaptado. O triunfo comercial, que faturou nas bilheterias mais de US$ 1 bilhão pelo mundo, merecia esse Oscar mais do que qualquer outro longa. Simplesmente porque ninguém enfrentou a façanha de Greta Gerwig e Noah Baumbach, que foi a de adaptar um manual de brinquedo da Mattel no lugar de um livro ou de uma peça. O resultado? Um filme original, pulsante, divertido, cheio de mensagens urgentes e sem panfletarismo.
E quanto ao Oscar recebido por “Barbie” pela canção “What I Was Made For?”, composta por Billie Eilish e o irmão, Finneas O’Connell? Não sei, não. Achei meio anêmica. Meu voto iria para “I’m Just Ken”, que rendeu um dos melhores momentos da noite durante a apresentação hilária e vibrante de Ryan Gosling, com direito à guitarra do Slash, do Guns N’ Roses.
POBRES CRIATURAS
O diretor grego Yorgos Lanthimos construiu um universo à parte, estilizadíssimo, em “Pobres Criaturas”. Por isso, não tinha para ninguém nas categorias Figurino, Penteado e Maquiagem, Design de Produção e… Atriz.
Sim, a vitória de Emma Stone surpreendeu meio mundo, já que a favorita era Lily Gladstone por seu majestoso trabalho em “Assassinos da Lua das Flores”. Ela havia recebido o prêmio do Sindicato dos Atores, o que costuma ser um termômetro poderoso, mas a Academia reconheceu a originalidade da performance de Stone, diferente de tudo o que já foi mostrado numa tela.
No entanto, se Lily tivesse levado o Oscar, teria sido outro marco histórico: ela teria sido a primeira atriz de origem indígena a arrebatar essa estatueta.
OS REJEITADOS
Da’Vine Joy Randolph foi a única que não fez jus ao título do longa que a consagrou. Sim, ela ficou com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
DAVIS CONTRA GOLIAS
“Godzilla Minus One”, de Takashi Yamazaki, venceu o Oscar de Melhores Efeitos Especiais, derrotando pesos pesados como “Guardiões da Galáxia Volume 3” e “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um”. Com um mirrado orçamento de US$ 15 milhões e uma equipe de 35 artistas, foram feitas mais de 600 cenas de computação gráfica. Foi engraçado ver a equipe subir ao palco levando miniaturas de Godzilla e tendo dificuldades em segurá-las ao mesmo tempo em que empunhavam suas estatuetas.
O também japonês Hayao Miyazaki conquistou sua segunda estatueta, na categoria de Melhor Longa de Animação, por “O Menino e a Garça”. Isso aconteceu 21 anos depois de seu primeiro Oscar por “A Viagem de Chihiro”. Ele desbancou “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, o grande favorito que, aliás, já teve sua primeira parte reconhecida pela Academia em 2019. Então, caso o Aranha tivesse levado o prêmio, teria sido mais do mesmo. Venceu a animação artesanal.
“Zona de Interesse”, produção inglesa falada em alemão, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional, também ficou com o prêmio de Melhor Som, levando a melhor sobre “Oppenheimer”. Seus técnicos agradeceram à Academia por ter “ouvido” o filme deles.
MOMENTO HISTÓRICO
O tom político esteve tanto no tapete vermelho quanto no interior do Dolby Theatre, com celebridades como Billie Eilish e Mark Ruffalo usando o broche Artists4Ceasefire, pedindo o cessar-fogo entre Israel e o Hamas.
Quando o documentário “20 Dias em Mariupol”, sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, venceu em sua categoria, o diretor Mstyslav Chernov pediu um cessar-fogo na região, que está em guerra desde fevereiro de 2022.
E, abrindo o emocionante momento “In Memoriam”, apareceu o russo Alexei Navalny, tema do documentário vencedor do Oscar em 2023, que morreu no mês passado em uma prisão da Rússia. Ele não era ligado ao cinema, mas, como bem lembrou o diretor de “20 Dias em Mariupol” com seu Oscar na mão, o “cinema forma memórias, e memórias formam a história”.
Não, não vou nem comentar o que foi a transmissão do Oscar feita pelo pool Max/TNT. Melhor não.
PRÓXIMAS ESTREIAS DE ABRIL
DUNA – PARTE 2 JUSTIFICA O HYPE?
UM ÉPICO DE ENCHER OS OLHOS E ACELERAR O CORAÇÃO
Se a primeira parte investiu um bom tempo em apresentar uma das mitologias mais complexas da literatura de ficção científica, “Duna – Parte 2” já começa com o circo pegando fogo em uma trama de vingança.
Paul Atreides (Timothée Chalamet) quer dar o troco ao clã dos Harkonnen, que praticamente dizimou sua família e que pensa tê-lo apagado do mapa. Sim, o jovem está vivo, mas, antes de reunir forças e organizar um levante contra os opressores, ele precisa provar que merece a acolhida e a confiança dos nativos do planeta Arrakis, os Fremen. Um lugar desértico de onde é extraída a preciosa especiaria que alimenta o jogo do poder entre as várias Casas de “Duna”.
A LONGA DURAÇÃO PASSA BATIDA
São quase três horas de filme, mas tem sempre muita coisa acontecendo em uma narrativa que envolve vários personagens e interesses diversos. Só o arco de Paul ocupa boa parte da produção. Chalamet dá conta muito bem do dilema descomunal de ter que escolher entre o amor de sua vida, Chani (Zendaya), e o destino do universo, já que ele vai assumindo a figura de um messias que se torna a grande esperança dos Fremen de liderá-los contra os Harkonnen.
A segunda parte de “Duna” dá sequência ao turbilhão de profecias, assassinatos e revelações bombásticas de uma distopia que desenvolve temas como religião, política, construção de lideranças messiânicas e imperialismo.
UMA MITOLOGIA RICA MUITO BEM EXPRESSA NA TELA
Os efeitos visuais mantêm o padrão da primeira parte, assim como a espetacular direção de arte, que inclui o design original de naves, veículos de exploração de especiarias, sem falar nos monstruosos vermes, que são usados pelos Fremen como uma espécie de metrô na superfície nas vastidões do deserto.
O DESTEMIDO DENIS VILLENEUVE
Esse diretor canadense realmente não tem medo de nada. Corajoso e arrojado, ele sabe conduzir cenas majestosas de batalha, assim como duelos verbais, com muita intensidade emocional. Quando Denis decidiu refilmar esse clássico da literatura de ficção científica, de Frank Herbert, acharam que o cara tinha ficado louco. Afinal de contas, David Lynch havia fracassado em sua tentativa de 1984, assim como John Harrison em sua minissérie de 2000. Também não podemos deixar de mencionar a implosão do ambicioso projeto de Alejandro Jodorowsky, de meados dos anos 1970.
Mas, gente, Denis Villeneuve adaptou o dificílimo conto de Ted Chiang na obra-prima “A Chegada” (2016), além de ter ousado e mandado muito bem na continuação do cult de Ridley Scott, com seu “Blade Runner 2049” (2017). Villeneuve sabe o que faz.
ELENCO IMPRESSIONANTE
À constelação que sobreviveu às turbulências do enredo do primeiro filme, gente como Rebecca Ferguson, Javier Bardem, Josh Brolin, Dave Bautista, Stellan Skarsgård, Charlotte Rampling, juntam-se Florence Pugh, Christopher Walken, Léa Seydoux, Anya Taylor-Joy (em uma ponta de luxo) e Austin Butler. O galã que já foi Elvis ressurge assustador, quase animalesco, como o herdeiro ambicioso e violento do clã Harkonnen. Aliás, o confronto físico entre este personagem, o Feyd-Rautha, e o Paul Atreides (Chalamet), é um dos pontos altos do clímax.
CONTINUA…
Quem espera uma conclusão apoteótica deve ter esquecido que o escritor Frank Herbert desenvolveu a epopeia de “Duna” em seis livros. Não é à toa que estão dizendo que essa saga é considerada o novo “O Senhor dos Anéis”. Denis Villeneuve tem uma parte três já prevista para daqui a alguns anos. História é o que não falta para contar.